O Blog MATAV apresenta o último post da série de três sobre a Peça Tribos. Segue a entrevista realizada pela estudante de Jornalismo Ana Raquel Mangiili. Ana Raquel já publicou sua resenha no Blog MATAV com relatos interessantes sobre sua experiência de surda oralizada e espectadora teatral.
Entrevista com Bruno Fagundes
O ator interpreta o personagem Billy na peça Tribos
Entrevista: Ana Raquel Périco Mangili
Transcrição: Laiza Castanhari
Revisão: Profa. Dra. Lucinéa Marcelino Villela
Após se apresentar em Bauru, no dia 20 de fevereiro (veja a matéria sobre a peça aqui), Bruno Fagundes, da Equipe Tribos, concedeu uma entrevista exclusiva para o Blog MATAV e para a ADAP.
Além do protagonista da peça, conheci Maíra Dvorek (que interpreta a personagem Ruth), Guilherme Magon (Daniel) e Antonio Fagundes (Christopher). Todos os atores foram gentis e atenciosos, com destaque para o Bruno e a Maíra. Ambos relataram experiências e genuíno interesse pelas questões que envolvem o universo da surdez para além da peça de teatro em que atuam. Foi um enorme prazer conhecer a Equipe Tribos.
Confira, a seguir, a entrevista com Bruno Fagundes. O ator relata sua experiência com LIBRAS, seu contato com surdos sinalizados e oralizados, o que pensa a respeito da questão da Acessibilidade no Brasil e aborda vários outros temas.
Ana Raquel: Como você aprendeu LIBRAS? Houve dificuldades?

A jornalista Ana Raquel com Bruno Fagundes
Bruno Fagundes: Eu achei difícil, porque os outros idiomas a gente tem um inconsciente que aprendemos ouvindo. Como o inglês, a gente ouve as músicas em inglês, então, conseguimos captar um pouco dos idiomas, porque a nossa cultura é uma cultura oral e auditiva, você vai se alimentando ao longo da vida com referência e com informação. A língua gestual é uma língua completamente diferente, é radicalmente diferente da nossa cultura, da minha cultura. Foi muito difícil fazer essa transposição de forma de expressão e passar para a expressão gestual, mas foi um processo muito interessante. Acho que a língua gestual tem muito a ver com o nosso trabalho de ator, porque é uma língua muito expressiva. Foi muito interessante para mim, como ator, interpretar uma língua falando e, de repente, passar para os sinais e voltar para o português. Foi um processo muito difícil, muito desafiador, mas que me deu muito prazer em conhecer essa língua, tão bonita e expressiva.
AR: Você pretende utilizar esse idioma em sua vida pessoal, mesmo após o fim da turnê?
BF: Eu tenho interesse, fiz amigos nesses processos, amigos oralizados, outros só usam sinais e a gente ficou amigo nesse processo de composição do personagem, eles me ajudaram muito. Eu os observei muito para ver o que gostaria de usar para o meu personagem e foi muito legal. Algo que coloquei na minha cabeça, quando eu tiver tempo: quero me voluntariar para dar aulas de teatro em LIBRAS. Quero me aprofundar mais na língua, que eu não sinalizo fluentemente, então quero aprender melhor para fazer uma espécie de aula, alguma coisa que tem a ver com a minha formação para oferecer para comunidade.
AR: Demorou mais ou menos quanto tempo para você aprender a LIBRAS?
BF: A gente teve muito pouco tempo de processo, foi um mês só de processo, mas eu não parava de fazer isso. Fiquei um mês todo assistindo vídeos e saindo com eles. Fui à manifestação no MASP, houve uma manifestação que tinha um monte surdos. Eu saía com eles para jantar. Fiz uma imersão total, porque quando você vai falar sobre uma deficiência é uma responsabilidade muito grande, afinal estamos retratando a vida de pessoas que têm a vida muito parecida com o que acontece com o personagem. Tive esse cuidado, essa responsabilidade de aprender o máximo possível e de fazer parecer o mais real possível.
AR: Vocês tiveram contato com surdos sinalizados antes de montar a peça? Se sim, poderiam me contar como foi a experiência?
BF: Não, antes de fazer eu não tinha nenhum. Estudei em um colégio não inclusivo, não conhecia nenhum deficiente auditivo antes de fazer esse personagem. Para mim foi um universo novo que conheci, foi uma porta que abri na minha vida que pretendo nunca mais fechar.
AR: Vocês já ouviram falar da comunidade dos Surdos Oralizados? E do Implante Coclear? Não pensaram em colocar esses elementos na peça Tribos também?

Maíra Dvorek e Ana Raquel
BF: Na verdade, a gente não foi atrás de uma peça que falasse sobre qualquer tema, não foi filantropia, não quisemos fazer uma peça social. A gente queria fazer primeiro uma peça de teatro voltada para ouvintes que fala sobre esse tema, mas que fala sobre outros temas também, por acaso. A peça trata também, na verdade, sobre a surdez de todos nós, sobre a incomunicabilidade da família, sobre o preconceito, sobre a intolerância, e que depois a gente foi percebendo a profundidade desse assunto e que, por acaso, falava mais sobre a descoberta dos sinais para eles do que outras coisas, mas, na verdade, a gente não buscou o tema focado ou em Implante Coclear ou em sinais. Buscamos uma peça. Encontrei essa peça fora do Brasil e achei um texto muito forte, muito interessante e que aborda o assunto de uma maneira que não é nem tendenciosa, nem piegas, não faz apologias para nenhum lado. Ela simplesmente pega um problema e explode, e acho que é um texto universal mesmo, que pode se colocar não só para deficientes auditivos, mas para negro, para um judeu, qualquer tipo de minoria. A peça não teve esse foco, esse objetivo de falar sobre um assunto, mas de falar sobre tudo. E o meu personagem usa aparelho auditivo.
AR: Qual a sua opinião sobre os projetos de lei para acessibilidade cultural no Brasil, especificamente nas áreas de LIBRAS, Audiodescrição, legendas e leitura labial?
BF: Eu acho que o Brasil está a passos lentos, acho que é um começo de uma busca acessível, mas eu percebi na nossa peça que nós somos umas das únicas companhias que faz acessibilidade com frequência, porque o que eu vejo mais são projetos que fazem peças já para comunidade surda, não que pega uma peça convencional e deixa acessível. Então, vejo mais esse movimento do que o que nós fizemos. A gente fez, durante um ano, uma vez por mês acessibilidade e a procura e a resposta do público e da comunidade surda foi imensa, muitas e muitas pessoas foram assistir.
Eu acho que é uma via de duas mãos. Quanto mais as pessoas começarem a oferecer acessibilidade, mais vocês vão conseguir assistir. Acredito que tem que partir de algum lado, e acho que esse lado tem que partir de nós (atores). Nós reconhecemos como um erro nosso não ter feito isso antes, mas a gente pretende corrigir esse erro e fazer em todas as nossas peças pelo menos uma sessão acessível por mês, duas sessões por mês, porque também é um custo muito elevado para nós.
Temos um custo, a gente não consegue trazer acessibilidade em turnê, mas em São Paulo havia tradução em LIBRAS simultânea, tinha legenda. Era um tablet que você prendia na cadeira, tinha legenda do espetáculo inteiro para surdos oralizados e tinha Audiodescrição para cegos. Foi uma coisa inédita no Brasil, acho que algumas companhias começaram a se espelhar na gente e, depois que a gente estreou, comecei a ver um movimento maior de acessibilidade na nossa área. Não sei se fomos nós que demos esse empurrão, que a gente ajudou, ou se foi um movimento que começou a surgir mesmo agora, mas acho que está a passos lentos, mas acho que está caminhando.
AR: Como funcionava o sistema de tablet usado nos espetáculos para a exibição de legendas?
BF: Na verdade, era um sistema que usava uma espécie de tablet, mas dentro dele tem um sistema que você não pode acessar mais nada. O usuário acessa direto à legenda e ele tinha um gancho que prendia na cadeira, era um sistema próprio que está no nosso texto lá. Tinha uma pessoa que, dentro desse sistema que desenvolveram, ele que dava as deixas, cada fala ele apertava para sincronizar. Tinha uma equipe, tinha dois funcionários para distribuir esses tablets pela plateia e para recolher depois e tinha um que ficava apertando o botão para fala ir simultânea com a peça. È uma estrutura muito grande.
Com certeza, isso já foi um avanço. Essa empresa chama-se Steno do Brasil, é uma empresa que é atuante em São Paulo e o dono dessa empresa é surdo oralizado, ele desenvolveu esse método de legendagem. A gente foi para Portugal com a peça e eu falei sobre isso lá e eles não conheciam. Na Europa, vejam só. O proprietário da produtora desenvolveu esse sistema e é um sistema quase revolucionário e excelente, era muito funcional, o público amava, era muito legal. Ele tinha um sistema de luz diferenciado que não atrapalhava quem tava do lado. Não pode ser um tablet com uma luz forte, tinha essa película que deixava a luz fosca. Eles estão desenvolvendo agora uma espécie de óculos que você coloca e a legenda fica aqui embaixo.
AR: Quais são seus próximos planos em relação ao Teatro?

Ana Raquel e Antonio Fagundes
BF: A gente já está há um ano e meio com essa peça, nós fizemos um ano em São Paulo, depois um mês em Portugal e agora nós começamos a viajar pelo Brasil. Fizemos seis cidades já. Se tudo der certo, até agosto vamos continuar viajando. Temos um longo chão aí, se Deus quiser a gente vai conseguir concluir esses quase dois anos de espetáculo, que é um feito no Brasil, é muito difícil conseguir uma peça que dê tão certo, o público realmente elegeu o nosso espetáculo, é muito bom. Estou muito feliz com esse projeto, que ele atinja tantas pessoas e que ele modifique a vida de outras, então para mim isso é muito gratificante.
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