Audiodescrição de Flutua é apresentada em Barcelona.

 

 

#paracegover Fotos de um auditório com um palco em forma de semicírculo na frente. Em cima do palco há um púlpito à esquerda, no centro há uma mesa retangular. Lucinéa Villela está em pé no púlpito, olhando para a tela do computador à sua frente. Ela é morena, de estatura baixa e tem cabelo castanho longo. Veste uma blusa de manga longa preta.

#paracegover Na segunda foto, além do púlpito com Lucinéa em pé,  há três mulheres sentadas na mesa, duas estão olhando para a palestrante e a outra para o monitor com a apresentação. Uma tela projeta um slide em fundo branco com um texto em inglês. No topo da tela há legendas em amarelo com tarja preta.

O que é ARSAD?

O Advanced Research Seminar on Audio Description (ARSAD) é considerado o principal evento sobre audiodescrição realizado na Europa. Neste ano, o Seminário ocorreu em Barcelona entre 19 e 20 de março e o MATAV esteve representado por sua coordenadora, Profa. Dra. Lucinéa Villela, que apresentou o trabalho intitulado “Audio description of music video Flutua: a mix of gender fluid, transgender and transrespect”.

Em sua fala, a pesquisadora brasileira contextualizou o cenário brasileiro de violência contra homossexuais e transgêneros. O videoclipe Flutua, produzido por Johnny Hooker com participação especial da Liniker, é considerado por Villela um manifesto e um pedido de transrespeito para a sociedade em geral.

cenabalada

#paracegover Foto de dois homens olhando-se no espelho de uma balada. A foto é escura com luzes vermelhas refletindo nos rostos dos rapazes e no espelho. O rapaz de bigode está em frente ao espelho, possui cabelos crespos e curtos. Veste uma jaqueta esportiva com listras brancas na altura de seu peito. O outro rapaz está atrás do rapaz de bigode, ele tem barba e cabelo curto. A palavra FLUTUA está escrita em picho com batom vermelho no espelho.

ARSAD 2019

A primeira edição do ARSAD aconteceu em 2007 em Barcelona e, desde então, a cada dois anos os pesquisadores, profissionais e interessados em geral pela temática de audiodescrição reúnem-se na capital da Catalunha para trocar experiências sobre as inovações em acessibilidade para pessoas com deficiência visual.

Segundo seus organizadores: “O ARSAD é e continuará a ser o fórum onde todas estas novas pesquisas, avanços industriais e tecnológicos são discutidos” (nossa tradução).

Na sua 7ª edição, os participantes do ARSAD só tiveram motivos para celebrar. Houve sete painéis sobre tópicos bem distintos e extremamente relevantes:

Novos conceitos e metodologias; Análise da audiodescrição; Treinamento; Pesquisa de Recepção: envolvendo o usuário final; Inovação e tecnologia; Audiodescrição de eventos ao vivo e Práticas de audiodescrição.

Foram quase cinquenta apresentações, mais de noventa inscritos: membros de diversos países da Europa, participantes da indústria de entretenimento do Canadá e dos Estados Unidos, representantes de Hong Kong, além de profissionais da Austrália. Como única representante da América do Sul e do Brasil, o ARSAD contou com a pesquisadora Lucinéa Villela.

Legendagem ao vivo

Pela primeira vez, o ARSAD teve legendagem ao vivo em todas as suas sessões, executada pela empresa Àgilis. O projeto contou com uma equipe de legendistas espanhóis que faziam legendas em inglês de todos os painéis e debates.

Acompanhamos na cabine dos legendistas uma sessão inteira de 40 minutos do ARSAD e pudemos conversar com eles para saber dos desafios desta tarefa tão difícil e gratificante.

O legendistas sempre trabalham em dupla. A cada apresentação de 15 minutos eles se revesam. Pudemos perceber que um deles transcreve rapidamente tudo o que os palestrantes falam, para tanto usa o fone de ouvido que se conecta como microfone do palestrante.  Algumas correções sempre são necessárias e, a seguir,  automaticamente as legendas aparecem na tela do auditório.

Ao seu lado, seu parceiro/sua parceira checa os slides da apresentação que foram enviados anteriormente pelos autores. Os slides auxiliam principalmente em situações em que os nomes de autores mencionados são difíceis de serem transcritos, como nomes poloneses, russos, tchecos, chineses e mesmo nomes próprios em português.

Outro facilitador dos slides é a checagem de algumas citações. Quando o palestrante está lendo uma citação, os legendistas optaram por colocar na legenda: “leitura de citação”.

Contudo há muita improvisação, devido a situações que envolvem, por exemplo, pessoas que falam muito rápido e com diversas pronúncias da língua inglesa. Nem todas as falas foram legendadas no ARSAD, mas é possível compreender quase tudo pelo contexto geral apresentado no conjunto da legendagem.

O trabalho de um legendista que trabalha ao vivo é extremamente desgastante e requer muita concentração, poder de concisão e conhecimento linguístico múltiplo.

Curiosidade: O padrão adotado pela empresa Àgilis foi de legendas em cor amarela com tarja preta, elas foram posicionadas no topo da tela do slide e adotaram legendas de no máximo duas linhas.

auditorioARSAD

#paracegover Foto do auditório do ARSAD. Uma mulher branca, de estatura mediana e cabelo claro está em pé no púlpito. Ela veste um blazer amarelo. Há três mulheres sentadas na mesa. O auditório possui cadeiras azuis e há diversas pessoas sentadas assistindo à apresentação. Uma tela projeta um slide em fundo branco com sua apresentação em inglês. No topo da tela há legendas em amarelo com tarja preta. Na parte superior e esquerda do auditório há duas cabines fechadas com janelas de vidro.

Tecnologia assistiva em AD

Houve várias apresentações no ARSAD que demonstraram como as novas tecnologias têm auxiliado no recurso de audiodescrição.

Na palestra de abertura cujo tema foi “Information and Communication in the Service of Accessible Tourism for All”, o britânico Ivor Ambrose (European Network for Accessible Tourism) demonstrou as ações desenvolvidas em diversos países europeus para tornar o turismo acessível para todos, incluindo para os turistas idosos que cada vez mais são vistos passeando em diversos ambientes culturais da Europa graças a estruturas arquitetônicas mais acessíveis e a recursos de acessibilidade sensorial (legendagem, braile e audiodescrição) em diversos espaços (museus, montanhas, praias, cinemas etc).

A pesquisadora chinesa Xiaochun Zhang (University of Bristol, UK) apresentou sua proposta de ensino de audiodescrição por meio de atividade de gamificação (Applying gamified situated learning approaches in audio description training).

Representando também o continente asiático, Dawning Leung, diretora executiva da Audio Description Association de Hong Kong, mostrou em sua apresentação uma pesquisa feita com os usuários da audiodescrição em sua cidade e as preferências que eles apresentaram no estudo de recepção.

Uma apresentação que gerou grande polêmica foi da especialista em Gerenciamento de Mídias Eveline Ferwerda. A profissional holandesa apresentou a plataforma revolucionária Scribit-Tv.

A plataforma é gratuita e permite que a audiodescrição de vídeos do YOUTUBE seja feita de forma colaborativa por voluntários de diversos países. Alguns profissionais e pesquisadores presentes no ARSAD questionaram a palestrante sobre a automatização do processo de audiodescrição, mas Ferwerda apresentou vídeos com depoimentos de usuários que comprovam a satisfação com o produto final.

A seguir o vídeo com informações do Scribit-Tv

scribittv

https://www.youtube.com/watch?v=s0xh6UYnYOs

A próxima edição do ARSAD será em 2021 e o MATAV espera novamente fazer parte desta comunidade global que inova cada vez mais em audiodescrição.

 

Ruídos nas legendas do filme Roma, de Alfonso Cuarón

Legendas distribuídas pela Netflix na Espanha geram polêmica

O filme mexicano Roma, produzido pela Netflix, foi um dos destaques do Oscar, a premiação mais famosa do cinema internacional, logrando 10 indicações e sendo laureado nas categorias de Melhor Direção, Melhor Fotografia e Melhor Filme em Língua Estrangeira. O drama foi um sucesso entre o público e a crítica, mas também não deixou de suscitar algumas controvérsias.

Ao ser distribuído nos cinemas e na Netflix da Espanha, parte do público se sentiu ofendida por a Netflix usar uma legenda em “Espanhol da Espanha”. O próprio diretor de Roma, o mexicano Alfonso Cuarón, manifestou seu repúdio ao ocorrido: “É ignorante e ofensivo para os próprios espanhóis”, disse ao jornal El País. “Algo de que mais desfruto é a cor e a textura de outros sotaques. É como se Almodóvar (cineasta espanhol) precisasse ser legendado”. O escritor mexicano Jordi Soler também se pronunciou, por meio do Twitter: “Roma está legendado em espanhol peninsular, que é paternalista, ofensivo e profundamente provinciano.”

Na legenda veiculada na Espanha, foram feitas várias traduções desnecessárias, como “ustedes” por “vosotros”, “mamá” por “madre”, “enojarse” por “enfadarse”, “checar” por “mirar” e “suave” por “tranquila”. Houve até traduções equivocadas culturalmente, como trocar uma marca mexicana de guloseimas (Gansito) por um aperitivo espanhol feito a base de milho (Ganchito). A polêmica se deu porque a tradução foi realmente paternalista, parecendo uma tentativa de colonizar o filme mexicano. Com a polêmica, a Netflix logo recuou na decisão, e atualmente as legendas de Roma em todos os países hispanofônicos são iguais – transcrições precisas das falas das personagens.

Mas o deslize foi até certo ponto bem-intencionado: a Netflix tem buscado cada vez mais trazer para seus filmes e séries opções de acessibilidade, como a legenda descritiva e a audiodescrição. O que não justifica o fato de tentarem deixar a linguagem utilizada na legenda “o mais próxima possível do uso na Espanha”, pois dessa forma, impede que o público espanhol tenha acesso a expressões e vocabulário específico da cultura mexicana. O Matav resolveu investigar a confusão, a fim de desvendar os limites da legendagem.

#ParaCegoVer: Na fotografia, em preto e branco, vê-se uma cena do filme Roma. Ao fundo uma praia, com ondas agressivas avançando até a orla. Na areia, a empregada Cleo está no centro, abraçada pela família mexicana: as crianças Pepe, Sofi, Toño, e Paco e a patroa Sofia. As crianças usam trajes de banho e têm os joelhos sujos de areia. A união dos atores assume o formato de um triângulo.

Roma não é um filme sobre a capital da Itália, mas sobre um bairro da Ciudad de México, chamado “Colonia Roma”. Passado entre 1970 (ano em que o México sediou a Copa do Mundo e o Brasil conquistou seu tricampeonato) e 1971, o filme acompanha a vida de uma família de classe média alta, composta por Antonio, o marido; Sofia, a esposa; as crianças Pepe, Sofi, Toño e Paco; as empregadas Adela e Cleo e o cachorro Borras.

Embora Cuarón tenha se inspirado em sua própria infância para produzir Roma (ele é representado por Paco), o diretor abdica do protagonismo do filme para dá-lo a Cleo, uma jovem empregada de origem indígena. O patriarca Antonio abandona a família e a família começa a desmoronar. O país também vive uma situação de tensão política, que às vezes assume uma faceta de violência escatológica. Fora do seio da família, Cleo tem seu próprio universo de desejos e frustrações para lidar. Mas ela se mantém forte e, de maneira silenciosa e gentil, está sempre presente para proteger a bolha de segurança em que viviam as crianças.

Para outros públicos que assistem Roma, como o espectador brasileiro, as legendas distribuídas pela Netflix permanecem com estranhamento linguístico. A maioria dos personagens fala em espanhol, que é legendado em letras brancas. As empregadas, Adela e Cleo, conversam entre si em mixteca, um dialeto indígena, que é legendado também em letras brancas, mas diferenciado pelo uso de colchetes. A escolha da mesma cor de legenda para as duas línguas não é um grande desafio, mas há ainda outros quatro idiomas falados no filme e nenhum deles foi legendado pela Netflix. Este tipo de filme com multilinguismo tem sido cada vez mais recorrente na indústria cinematográfica mundial. Bastardos Inglórios, dirigido por Quentin Tarantino, é um exemplo clássico de filme multilíngue contemporâneo.

Voltando a Roma, percebemos que quando Cleo está em um ônibus, os dois homens sentados à sua frente conversam em um outro dialeto indígena. Também aparecem alguns americanos no filme, que falam em inglês. Os lutadores de artes marciais, embora conversem em espanhol, repetem frases-feitas em japonês. E há até um homem que canta em nynorsk, uma das variantes da língua norueguesa. Nenhum desses trechos é traduzido, possivelmente uma escolha do diretor para que o público permaneça com o sentimento de estrangeirização pretendido no roteiro original.

#ParaCegoVer: Na foto, em preto e branco, vê-se uma cena do filme Roma. Há um homem louro, de cabelos curtos e bigode, em primeiro plano, fantasiado de um monstro peludo. Ele segura a máscara da fantasia embaixo do braço, e canta uma canção, com os olhos perdidos na escuridão da noite. Ele está em uma floresta, e no fundo há vários focos de incêndio com luminosidade intensa. Há alguns homens olhando o fogo e outros tentando contê-lo.

Como já mencionado, a escolha de não legendar esses idiomas se deve a uma opção do diretor. Cuarón provavelmente queria que tivéssemos a mesma experiência que Cleo teve ao ser confrontada com idiomas estrangeiros (ela só é fluente em espanhol e mixteca).

Além disso, Roma é um filme quieto, que nos convida a contemplar os cenários, em vez de nos anestesiar pelo estupor da ação constante. A primeira cena do filme começa com o enquadramento de um chão de garagem sendo lavado – primeiro temos o chão, e então a tela é invadida por ondas de água ensaboada, que refletem um avião pairando no céu. São mais de três minutos com a audiência olhando para o chão, enquanto os créditos passam diante dos olhos. O que para os mais espevitados já seria o bastante para abandonar a sala do cinema (ou fechar a aba da Netflix). Mas a cena também serve para estabelecer o tom do filme, dar um tempo para desligarmos nossas mentes da vida frenética do século XXI e mergulharmos no universo da narrativa que está prestes a se desdobrar.

Quando as falas em idiomas estrangeiros não recebem legendas, nós adotamos com elas o mesmo tratamento contemplativo que despendemos ao chão. Deixamos de analisar as frases apenas em seu sentido literal, porque não as compreendemos, e nos imergimos na estética delas – atribuímos-lhes sentidos que vão além da semântica. Quando os lutadores de artes marciais contam “ite, ni, sã, chi…”, em vez de “um, dois, três, quatro…”, somos remetidos a todo um país, a toda uma história. É um sentimento diferente.

É por causa desse tom contemplativo que a legenda em “Espanhol da Espanha” incomodou tanto. A atitude da Netflix teria aviltado aquela que está sendo considerada a magnum opus do diretor Alfonso Cuarón. Seria uma afronta, não só às suas escolhas artísticas, como também à cultura mexicana. Seria uma tentativa de minguar a diversidade linguística. Porque as palavras utilizadas refletem essa cultura, elas têm um sentimento diferente das palavras que um diretor espanhol teria usado.  

O episódio me faz pensar em José Saramago, autor de livros como O homem duplicado e Ensaio sobre a cegueira. Em respeito ao escritor português, as editoras brasileiras até hoje publicam suas obras seguindo a grafia vigente em Portugal. Além das construções sintáticas diferentes, proliferam-se no texto Cs postos em lugares estranhos para os brasileiros: acção, atractivo, direcção, objectivo. E, além de o autor ter um vocabulário impressionante, ele também faz escolhas lexicais estranhas ao brasileiro: “rapariga” no lugar de “moça”, “oxalá” em vez de “tomara”, “auscultador” para a parte do telefone que levamos à orelha. Ainda assim, os livros são perfeitamente compreensíveis a um brasileiro. Só é preciso se acostumar com a forma particular com que Saramago usa a pontuação e a leitura flui como o vento por uma porta aberta. Se tentassem traduzir seus livros para o português do Brasil, eu como leitor me sentiria pessoalmente ofendido. Seria uma mutilação da cultura portuguesa e da genialidade do autor.

#ParaCegoVer: Na foto, em preto e branco, vê-se uma cena do filme Roma. A empregada Cleo, de feições indígenas, está no banco traseiro de um carro preto. Ela olha pela janela com um semblante sereno no rosto. A janela reflete as nuvens do céu. Há duas crianças dormindo abraçadas a ela, uma garota de cabelos pretos e um garoto louro. Cleo afaga a cabeça da garota com a mão.

Mas há uma diferença fundamental entre um livro e um filme, na forma como as duas mídias são consumidas: a velocidade.

No livro, você pode reler uma frase que não tenha entendido de primeira. Às vezes os olhos percorrem páginas inteiras, enquanto a cabeça está viajando em outro lugar – mas não tem problema, é só voltar a ler na frase onde a consciência tiver debandado. Dá para ler com um dicionário (ou um celular) do lado, e pesquisar prontamente o significado de qualquer palavra desconhecida. Pode-se até ler com uma caneta em mãos, grifando um trecho importante, ou fazendo anotações nas bordas das páginas.

Já quando assistimos a um filme, nossa experiência é outra. O filme tem outro ritmo e é muitas vezes assistido com outras pessoas, ou seja, pode ser cansativo e deselegante pausá-lo para abrir o dicionário sempre que surgir uma dúvida sobre uma palavra ou expressão. Também não temos tempo de reparar em cada detalhe que aparece na tela, em cada sutileza das falas dos personagens, e são raros aqueles que têm a paciência de sentar sozinhos em frente à tela e escarafunchar um filme, pausando e rebobinando várias e várias vezes atrás de easter eggs, de erros de gravação, ou simplesmente de entender com mais profundidade uma obra complexa.

Por essa razão, os filmes precisam ser mais claros que os livros. Eles precisam acertar de primeira, se quiserem ser acessíveis, e precisam ser adaptados a todos os públicos. Faz sentido que exista alguma legenda para um filme mexicano assistido na Espanha. Afinal, as diferenças de sotaque e de vocabulário podem prejudicar a plena compreensão. Só que o espanhol, no México, na Espanha ou qualquer lugar do mundo, é um só idioma – com as mesmas regras gramaticais e a mesma grafia das palavras.

O erro da Netflix foi querer traduzir uma língua para ela mesma e acabar no processo suprimindo manifestações linguísticas e culturais próprias de um povo. Essas manifestações são parte importante de qualquer obra artística e ajudam a encurtar a distância e o preconceito que temos com esses povos. Que a Netflix, e todas as empresas ligadas ao entretenimento, continuem arriscando medidas de acessibilidade – mas com muita parcimônia, para que a tradução não ofusque a obra que a princípio pretendia fazer brilhar. 

Desfiles no Anhembi têm camarote com recursos de acessibilidade

Evento conta com audiodescrição e interpretação
dos sambas de enredo em LIBRAS.

Matéria: Bruno Ferreira
Entrevista: Lucinéa Villela

#ParaCegoVer: Na foto, as audiodescritoras Lívia Motta e Marisa Pretti estão em uma cabine de vidro no Camarote da Cidade, no Sambódromo do Anhembi. As duas estão com camisetas pretas com logotipo laranja no peito esquerdo, em forma de peão. Há um microfone e um computador à frente de cada uma. As duas olham atentamente para fora da cabine. Lívia aponta com o dedo chamando a atenção de Marisa. (Foto: Raoni Reis)

Nos dias 1 e 2 de março, as empresas “Ver com Palavras” e “As Meninas dos Olhos” se uniram numa parceria para audiodescrever os desfiles das escolas de samba em São Paulo, no Sambódromo do Anhembi. Os profissionais fizeram a audiodescrição dos desfiles das escolas de samba do Grupo Especial — que, em uma analogia com o futebol, é a “Série A” do Carnaval paulistano.

Os recursos de acessibilidade ficaram disponíveis no Camarote da Cidade, por meio da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência (SMPED). Para os surdos, havia um telão projetando a interpretação em LIBRAS dos sambas de enredo. As pessoas com deficiência visual, por sua vez, receberam aparelhos receptores de áudio e fones de ouvido, por onde escutavam a audiodescrição. Os aparelhos funcionavam em todo o perímetro do camarote, de modo que seus usuários pudessem transitar livremente pelo espaço. A audiodescrição ainda foi transmitida ao vivo pelo Facebook, na página da SMPED, permitindo que pessoas do Brasil inteiro tivessem acesso ao desfile.

O blog do MATAV entrevistou Lívia Motta, diretora da empresa “Ver com Palavras”. Ela explica que não basta reunir profissionais experientes no dia do evento, porque a audiodescrição envolve muito mais do que simplesmente articular em palavras o que veem os olhos. É preciso um preparo especial: “O Carnaval é um evento vibrante e intenso, que, tal qual um musical ou uma ópera, exige um conhecimento específico, um mergulho no enredo de cada escola para a elaboração dos roteiros. O acesso às informações, entretanto, torna-se mais difícil devido à confidencialidade, à necessidade de absoluto sigilo. Também o dinamismo e estruturação da apresentação de cada escola impõem um ritmo diferenciado à elaboração de roteiros e narração. Com relação à narração, destacamos a importância de se colocar entusiasmo na voz para estar dentro do clima deste gênero de apresentação.”

A equipe, composta por seis audiodescritores e um consultor com deficiência visual, se empenhou em levantar informações sobre cada uma das catorze escolas que desfilariam nas noites de sexta e sábado. Eles tiveram cerca de quinze dias para ver os ensaios no sambódromo, falar com os dirigentes e componentes das escolas, estudar a história e a terminologia do Carnaval. A empresa “As Meninas dos Olhos” fez a audiodescrição do Carnaval nos dois últimos anos e o consultor Laercio Santanna já havia assistido ao Carnaval com acessibilidade no ano anterior, o que foi fundamental nesse estágio.

#ParaCegoVer: No Camarote da Cidade, quatro pessoas com deficiência visual estão sentadas, vestidas com camisetas amarelas e usando aparelhos receptores e fones de ouvido. Da esquerda para a direita, estão um homem sorridente de barba grisalha pressionando o fone sobre a orelha com uma das mãos, uma senhora de cabelos castanhos, um homem de boina e uma moça de tiara amarela. (Foto: Raoni Reis)

Lívia Motta relatou que este ano houve menos ingressos para o Camarote da Cidade, apenas 20 convites foram disponibilizados para as pessoas com deficiência visual: “Contamos com a presença de aproximadamente 15 pessoas com deficiência visual no primeiro e no segundo dia de desfile”, afirma a audiodescritora.

Mesmo assim, a recepção pelo público tem sido animadora. Alessandro Silva, jovem com deficiência visual, é ritmista e desfilou na bateria da Acadêmicos do Tucuruvi, na sexta-feira. Na noite seguinte, no sábado, ele esteve no Camarote da Cidade, para assistir pela primeira vez a um desfile com audiodescrição. Ele assistiu o tempo todo com o recurso e adorou. “Não sabia nem que existia isso,” disse animado. Alexandre Toco, administrador de empresas, também se empolgou com a audiodescrição: “É minha primeira experiência de muitas,” ele diz. “Totalmente diferente assistir o Carnaval aqui, é outra energia e a gente viaja com a audiodescrição. Tomara que todo mundo possa ter essa experiência. Vale a pena demais.”

#ParaCegoVer: Na foto, sete pessoas abraçadas posam sorridentes para a câmera. Elas estão no Sambódormo do Anhembi. Da esquerda para a direita: Fátima Angelo, Rosângela Fávaro, Marisa Pretti, Andréia Paiva, Laercio Santanna, Lívia Motta e César Tunas. Laercio, o consultor da equipe, usa uma camisa polo vermelha com listras horizontais brancas. Os demais integrantes do grupo usam uniforme preto com logotipo laranja em forma de peão no peito esquerdo. (Foto: Raoni Reis)

Segue o depoimento completo de Alexandre Toco: