Carnaval para todos: audiodescrição na Sapucaí 2018 Entrevista com Graciella Pozzobon

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Graciella Pozzobon é atriz, audiodescritora. Foi premiada como melhor atriz por sua atuação no documentário Cão Guia (1999).

O audiodescritor para descrever o Carnaval tem que ter mil olhos, porque ele tem que ver ao mesmo tempo muitas coisas (Graciella Pozzobon)

 

MATAV: Qual tipo de preparo ou treinamento que você e a equipe da Lavoro Produções fazem para audiodescrever o Carnaval no Rio de Janeiro?

Graciella: Um dois maiores desafios para nosso treinamento sempre é a questão do sigilo, as escolas de samba entregam muito pouco o jogo. E com isso a gente trabalha com o mesmo material que vai para as emissoras, as informações das escolas, do samba enredo, das alas, da estrutura da escola, o número de componentes etc. Nós não temos informação antecipada, as nossas contratações são feitas em cima da hora, dois ou três dias antes do evento.

Na primeira vez que fizemos a audiodescrição do carnaval do Rio de Janeiro, descrevemos todo o Sambódromo, a história da construção do local, da escultura do Niemeyer, fizemos uma descrição bem detalhada das arquibancadas e da estrutura física da passarela. Ou seja, a gente estuda os temas das escolas e os enredos. O carnaval tem uma questão muito subjetiva, a questão do nome da ala com a descrição dos detalhes ajuda muito a compreender o que está sendo passado naquele desfile. Temos que ir desvendando o que o carnavalesco quis dizer.

Para a preparação da AD do Carnaval em 2011, assistimos os DVDs dos desfiles dos anos anteriores e fomos treinando e ensaiando essa descrição. Foi uma coisa bastante engraçada, foi difícil fazer pela primeira vez, ainda mais na televisão.

No carnaval nós ficamos em uma cabine com visão privilegiada, isso ajuda muito a ver cada detalhe. Nós vemos a escola passar a dois metros de distância, é muito diferente de ver por uma tela, mas o treinamento com DVDS foi muito útil para nós entendermos a dificuldade que é descrever aquele imenso universo visual que é muito vasto e complexo de um desfile de escola de samba.

MATAV: Em 2018 houve algum desafio muito grande na AD do Carnaval da Sapucaí?

Graciella: Os desafios são constantes, pois é um espetáculo que tem muito imprevisto. Neste ano, no primeiro dia do desfile no Rio de Janeiro (domingo) estava um calor muito forte e muitas pessoas passaram mal desfilando.

E como a cabine de AD no Sambódromo fica na dispersão, na apoteose, a gente vê a escola chegando e finalizando o seu desfile. O que é muito bonito porque a gente vê a emoção dos componentes, a exaustão dos componentes e do pessoal que trabalha empurrando os carros. Vemos a emoção da diretoria toda ao vivo.

É um lugar muito legal, muito melhor, por exemplo, do que o início do desfile, onde está todo mundo certinho e tenso.

Enfim, neste ano muitas pessoas passaram mal e nós víamos os bombeiros, os componentes passando mal, sendo levados em cadeiras de rodas. Também apresentamos essas informações aos usuários. O audiodescritor para descrever o Carnaval tem que ter mil olhos, porque ele tem que ver ao mesmo tempo muitas coisas, por isso que trabalhamos em dupla porque um vai auxiliando o outro. Pois um vai auxiliando o outro e cada um vê uma coisa. Um pode ver o diretor da escola abraçado, chorando, por exemplo, e isso tudo também é descrito. Todas essas informações de bastidores, que é uma coisa muito incrível, a gente tem ali na nossa frente e na TV nós não temos esse tipo de informação. Só apresentam informações se há acidente ou um carro que quebra. Os imprevistos acontecem toda hora no evento ao vivo.

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MATAV: E sobre a emoção de trabalhar em um evento como este?

Graciella: É tão emocionante você estar na avenida, ouvir o samba, você fica envolvido naquela atmosfera do carnaval que por si só é muito arrepiante. O audiodescritor não precisa enfeitar ou trazer alguma carga de emoção pessoal porque o espetáculo sozinho já é muito poderoso. Mas é inevitável para o profissional trazer no tom da voz a emoção de ver aquelas coisas grandiosas e maravilhosas. A emoção não está exatamente na informação, ela está no tom do audiodescritor, por estar ali naquele lugar vendo ao vivo aquela informação visual tão mágica e tão incrível. Isso é o que eu acho que faz a audiodescrição ser tão empolgada, porque a gente não fica imune a esse impacto que o desfile causa.

MATAV: Vocês conseguem ter feedback dos usuários? Quais são?

Graciella: Conversamos praticamente com 100% das pessoas. Ficamos em um setor da prefeitura do Rio de Janeiro para pessoas com deficiência em geral: pessoas cadeirantes, cegas, surdas, com deficiências intelectuais variadas, dessa forma temos acesso a essas pessoas. Como é um trabalho de muitas horas, a gente chega por volta das 19h horas, o desfile começa às 21h e termina 6h da manhã, temos acesso a essas pessoas por muitas horas.

Nós sempre fazemos um registro em vídeo do trabalho de entrevistas com eles, para justamente ter esse retorno. Com isso nós conversamos de um a um, ao longo daquela noite toda, entrevistando e perguntando sobre a experiência com AD. Temos dois vídeos registrados, o de 2011 e o de 2016 (Youtube) e estamos acabando a edição do vídeo deste ano e são arrepiantes os depoimentos deles. Essas pessoas dizem: “Hoje eu vi”.

Há muitas pessoas cegas que são foliões, que vão à Sapucaí desde sempre e antes de ter a AD, eles ficavam apenas com o samba. Eu digo “apenas” porque comparado com a informação que eles têm com a AD é pouca coisa. Mas se formos pensar em termos gerais, é muito, porque o desfile é muito potente para quem está ali do lado.

É muito incrível você estar ali e ouvir a bateria passar. Ouvimos os depoimentos dessas pessoas que já iam à Sapucaí sem ter a experiência com a AD e passam a ter a descrição de todos os detalhes do início ao fim e percebemos como a AD é transformadora e maravilhosa para eles.

 

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