“Existe algo mais vergonhoso do que envergonhar-se de si mesmo? Não, não existe” É motivada com esta afirmação que Paula Pfeifer encara os obstáculos típicos da vida de quem possui algum tipo de deficiência e incentiva uma grande comunidade a fazer o mesmo. A autora gaúcha possui deficiência auditiva bilateral neurossensorial progressiva, tendo atingido o grau de perda profunda da audição por volta de seus vinte e poucos anos. Decidida a quebrar barreiras e desmitificar preconceitos, e baseando-se no trabalho que já desenvolvia no seu blog “Crônicas da Surdez” desde 2010, Paula publicou um livro de mesmo nome, pela Editora Plexus, em 2013, obra indispensável para se compreender a diversidade existente dentro do universo das pessoas que possuem dificuldades em ouvir.
Definindo-se como surda oralizada, isto é, que usa sua fala e seu restante de audição para se comunicar com o mundo que a rodeia, a autora afirma que a diversidade é a palavra de ordem no mundo da surdez. Ao contrário dos surdos sinalizados, os oralizados não utilizam a Libras (Língua Brasileira de Sinais), pois estão bem adaptados à língua materna (o Português) e se valem de recursos adicionais, como a leitura labial e as legendas em vídeo, para contornar a sua perda auditiva e obter eficiência na comunicação oral. Porém, como destaca a blogueira, pelo fato da deficiência auditiva ser “invisível” aos olhos da maioria, os surdos muitas vezes não possuem seus direitos garantidos, como bem demonstra a ausência de legendas em muitos canais de televisão e internet.
Usando como exemplo sua própria história de vida, Pfeifer relata as diferentes etapas pelas quais uma pessoa se vê envolta ao receber o diagnóstico da surdez: incredulidade, negação, raiva, vergonha, autocomiseração, resignação e aceitação. Com foco principalmente nesta última, a obra funciona como uma verdadeira aula de autoestima e resiliência frente aos desafios impostos por uma deficiência sensorial.
O livro, de 152 páginas, é dividido em três partes. Na primeira, há uma introdução ao universo eclético da surdez, com a história da autora e seus conselhos ao lidar com a perda auditiva; em seguida, encontram-se crônicas (publicadas originalmente no blog) de situações vivenciadas sob o olhar de quem tem deficiência auditiva; e na última parte, são apresentados depoimentos e histórias de leitores do blog de Paula Pfeifer.
Também abordando assuntos como o bullying, o mercado de trabalho para quem tem algum tipo de deficiência, a cisão e o preconceito existentes entre os próprios surdos sinalizados e os oralizados e o sentimento de exclusão e isolamento social pelo qual os deficientes auditivos costumam passar durante alguns momentos de sua vida, Paula dá voz e expressão a um grupo social e explica suas particularidades. “Uma confissão: é frustrante e desesperador não entender o que se escuta”. Com esta frase, a autora ilustra a dicotomia entre o escutar um som e o processo auditivo de decodificá-lo, sendo esse último a principal dificuldade ocasionada pela surdez, realidade de 9,7 milhões de brasileiros atualmente.
Dessa forma, essa brilhante obra cumpre seu objetivo de guiar e inspirar seus leitores, sejam eles surdos ou não, ao mostrar que é possível transformar um ponto fraco em força de superação.
Por Ana Raquel Périco Mangili