Por: Maicon Milanezi
Sheila Gomes, tradutora com 18 anos de experiência, especializada em localização de softwares e jogos e membro da ABRATES e da ATA, apresentou em sua entrevista para Maicon Milanezi, colaborador do Blog MATAV UNESP, um pouco sobre esse ofício que tem como objetivo adaptar culturalmente o texto em relação ao público alvo, adaptando de gírias, referências populares, até nomes de cidades e artistas. Ela também apresentou opiniões sobre o fazer tradutório nos dias de hoje e de sua importância como canal de acesso de pessoas que não dominam a língua estrangeira ao conteúdo de um o texto, produto ou empresa.
Maicon: Em sua opinião, qual a maior mudança ocorrida no processo tradutório no decorrer do tempo? A contribuição da internet e dos softwares de memória alterou seu resultado final? Positiva ou negativamente?
Sheila Gomes: Comecei a traduzir nos anos 90, antes ainda do surgimento e da evolução da internet como meio de acesso e extensão de conhecimento que temos hoje, e acredito que essa foi a maior mudança. Com tantas fontes de informação e conteúdo disponibilizadas hoje, além dos vários programas de auxílio à tradução, tive que buscar qualificação tecnológica (o que fiz pela própria Internet) e ser uma pesquisadora mais criteriosa. Não vejo essas mudanças como boas ou más, mas como evolução do mercado e do próprio mundo do trabalho. As ferramentas podem oferecer um grande auxílio, se soubermos usá-las a nosso favor.
Maicon: Qual é o papel da tradução como intermediadora entre diversas culturas?
Sheila Gomes: A necessidade de comunicar-se de maneira clara e compreensível com povos em condições diversas de proficiência linguística mesmo em seu idioma nativo, o que dirá em idiomas estrangeiros, torna a tradução essencial para divulgar e vender produtos de maneira eficaz, comunicar ideias e fazer pontes entre povos, além de diminuir o isolamento que muitas vezes subjuga certas sociedades a costumes já extintos em outras culturas. E ainda que outros aspectos das culturas agora em contato com o restante do mundo também sejam afetados de maneiras não tão positivas, também há cada vez mais iniciativas de resgatar aspectos comprometidos por essa evolução, como a história e produção cultural.
Maicon: A tradução é uma forma de dar acesso a um texto para pessoas que não o compreende em sua língua original. Quais cuidados você — e qualquer outro tradutor — deve tomar para fazer com que esse leitor tenha a mesma experiência ao lê-lo?
Scheila Gomes: Trabalho com localização. Como a própria noção de localização surgiu da necessidade de adequar textos aos usos do idioma da cultura alvo, há esse cuidado em oferecer ao leitor a mesma experiência que os leitores no idioma de origem têm. Assim, há vários aspectos a levar em conta, desde normas ortográficas, costumes e outras regras de nomenclatura específicas da área do texto, até atentar para termos que não são encontrados na cultura alvo, considerados inadequados ou que possam ser interpretados de maneira diferente da intenção original.
Maicon: Como funciona o processo de localização?
Scheila Gomes: Localização é o processo de tradução cujo objetivo é adaptar culturalmente o texto em relação ao público alvo, tanto em relação às normas ortográficas (moeda, métricas, etc.) do país em questão quanto aos aspectos do uso do idioma em si: adaptação de gírias, referências populares, até nomes de cidades e artistas, por exemplo. É usada principalmente em websites e jogos, trazendo o texto/produto/empresa o mais próximo possível da realidade e do público local. Às vezes os textos vêm entremeados de comandos de programação, o que exige que o tradutor conheça um mínimo de sua sintaxe para reconhecer o que deve ser mantido igual ao original e não comprometer a integridade do programa.
Maicon: Com a difusão de cursos de idiomas, surgiram muitos diletantes e “críticos” de tradução, que pouco sabem do fazer tradutório, mas que sempre querem impor o que acham certo. Isso dificulta o trabalho do tradutor, pois o coloca como “traidor” do texto?
Scheila Gomes: As melhores traduções são aquelas em que o tradutor não “aparece” no produto final do seu trabalho, ou seja, o texto final deve parecer que foi escrito originalmente no idioma em que é lido. Mas essa “invisibilidade” acaba estendendo-se ao próprio tradutor e agindo contra nós, pois muito pouco é conhecido publicamente sobre as práticas da profissão. Algumas dificuldades criadas por essa situação são: a exigência de traduções “palatáveis” em detrimento das corretas (uma exigência de mercado, com a intenção de popularizar produtos e ideias) e o descrédito do profissional pela falta de clareza sobre os limites, exigências e condições de seu trabalho. São fatores que poderiam ser tratados com uma representação melhor dos tradutores na mídia e pela associatividade, o que poderia trazer uma compreensão melhor do seu trabalho ao público geral.
Maicon: O tradutor deve focar no público alvo de seu texto, suas exigências e expectativas, ou manter sua atenção ao que o texto base exige dele?
Scheila Gomes: Vejo o tradutor como uma ponte, que deve estabelecer uma conexão clara entre o autor e o leitor do texto. Assim, é necessário que o tradutor compreenda exatamente a intenção do autor com o texto, para tentar mantê-la na tradução, mas também leve o leitor em conta, adaptando as situações postas pelo texto original que só poderiam recriar a intenção original se forem expressas de forma talvez diversa da literalidade.
Maicon: Para finalizar, você acha que o fazer tradutório ainda tem muito a se desenvolver? Em quais aspectos?
Scheila Gomes: Sim, acredito que ainda temos muito a desenvolver, pois ainda vejo uma tendência em analisar a profissão e suas práticas por conceitos anacrônicos, que não levam em conta as condições postas pela evolução dos meios de criação e divulgação do conhecimento e da comunicação de maneira geral. Há iniciativas de uso das novas tecnologias para ampliar o alcance do trabalho do tradutor, mas creio que é preciso desenvolver uma comunicação mais ampla dentro do meio, entre os profissionais, estudantes e com o público leitor de tradução.
Acesse o blog no qual Sheila fala sobre a tradução e seus “nós”: https://tradutoraingport.wordpress.com/
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